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“Negro já nasce suspeito”. Afirmou o cantor e sambista Neguinho da Beija-Flor diversas vezes enquanto falava da morte do neto Gabriel Ribeiro Marcondes, de 20 anos, no Morro da Bacia, no Ambaí, no município de Nova Iguaçu.

O jovem foi um dos três mortos entre os quatro baleados durante uma troca de tiros de policiais militares com bandidos na tentativa de impedir a realização de um baile funk.

Neguinho falou da abordagem a moradores de comunidades e que, se um dia a pena de morte for implantada no Brasil, “não sobra um negro”.

Segundo o cantor, a família está “arrasada” desde a morte de Gabriel, no último domingo, dia 18.

 

Lembranças

 

O caso intensificou a vontade de Neguinho deixar o país na busca por oferecer outras condições de vida para a filha Luisa Flor Morena, de 12 anos.

“Ter filho negro no país, se pensar legalzinho, é uma responsabilidade muito grande. A gente fica preocupado”, disse.

O sambista comparou as situações pelas quais passou “na época em que não era o Neguinho da Beija-Flor”, ainda na juventude, em Nova Iguaçu.

As abordagens policiais se ancoravam na “lei da vadiagem” e no preconceito estrutural.

Refletindo sobre o que ainda vê e vive, diz que o filho Paulo Cesar Marcondes, pai de Gabriel, vai buscar justiça.

 

Processo

 

“Meu filho vai processar o Estado. A justificativa é a seguinte: ‘seu neto estava no lugar errado, na hora errada’. Queria que ele estivesse onde? Num shopping na Barra? Aqui em Copacabana? Se todo lugar no Rio é perigoso. É muito fácil fazer justiça em cima do negro sem defesa. Uma vez perguntei a um amigo, um grande jurista, sobre o que aconteceria se a pena de morte fosse aceita no país. Ele disse: ‘só vão viver os brancos, vão matar todos os negros’. Negros já nascem suspeitos. Em negro, atiram primeiro para depois saber quem é”, desabafou.

Neguinho ainda comparou as operações realizadas dentro e fora das comunidades:

“Agora que estou vendo algumas… Branco sendo preso, onde está o verdadeiro problema. Presos e soltos. Soltos! Milionários brancos, prendem, e daqui a pouco estão soltos. Têm habeas corpus, tornozeleira, o que não impede de pegar um jato e ir embora. Negro é preso quando ainda é suspeito. E fica, não tem dinheiro para pagar um bom advogado”, refletiu.

 

Saída do país

 

O sambista não deu data de quando pretende deixar o Brasil.

O plano não é novo. Foi interrompido pela chegada da pandemia mundial de covid-19.

O tempo em casa sem os shows impactou as economias da família.

“(Penso) Há muito tempo. Só não aconteceu com a pandemia. Sem show, tive que gastar tudo, só saiu. O suporte que eu tinha, com essa finalidade, foi tudo. Não vou criar minha filha aqui depois do que aconteceu com o Gabriel. Não vou mesmo”, afirmou o cantor.

Ir para o exterior era plano também para Gabriel, caso tivesse investido profissionalmente no futebol.

O jovem alegre e bom de bola, como descrito por amigos e familiares, adorava o esporte.

Agora, ao avô, cabe cooperar com a família e as investigações para provar a inocência do jovem. Neguinho vai acompanhar o filho Paulo Cesar Marcondes, pai de Gabriel, em depoimento na 58ª DP (Posse).

“Meu neto jogava uma bolinha. Ele não quis, se não, arrumava um jeito de levar para a Europa, jogar uma bola. Olha aí o destino dele. Não era envolvido em nada, mas eu vou ter que provar que não era envolvido com nada. Só se ouve a parte que interessa. E tem gente que fala ‘graças a Deus, menos um!” isso porque não foi o filho dele, não viu o ato”, disse.

Os planos de mudança podem chegar a outro filho de Neguinho que também atua na montagem de  eventos, como Gabriel.

“Ele quer abandonar a área. Gabriel trabalhava quando foi baleado. Ele não resistiu e morreu em seguida”, lembrou.

 

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Foto: Reprodução Twitter