Na contramão do “efeito Kamala”, política nacional ficou mais branca e masculina
Quatro anos após Barack Obama, primeiro presidente negro dos Estados Unidos, deixar o cargo, Kamala Harris chegará à Casa Branca em janeiro de 2021, ao lado do presidente eleito Joe Biden, como primeira vice-presidente de ascendência negra e indiana.
Assim, a dupla democrata eleita promete implementar políticas públicas para combater o racismo sistêmico e promover a igualdade de gênero. “Embora eu seja a primeira mulher (na Casa Branca), eu não serei a última”, projetou Harris, em seu discurso de vitória.
Realidade Brasileira
A rapidez com que uma chapa diversa e comprometida com a redução das desigualdades de gênero e raça chegou novamente ao poder nos Estados Unidos contrasta com a perda de relevância dessas agendas nos governo Bolsonaro. Além disso, rivaliza com a falta de perspectivas para eleição de uma mulher ou pessoa negra para liderar o Brasil, quatro anos após o impeachment de Dilma Rousseff, primeira a presidir o país.
Por enquanto, a lista de cotados para disputar a eleição de 2022, seja liderando a chapa presidencial ou como vice, é 100% masculina e quase toda branca. Além do presidente Jair Bolsonaro, que deve tentar a reeleição, inclui nomes como João Dória (governador de São Paulo/PSDB); Sergio Moro (ex-ministro da Justiça e Segurança Pública); Luiz Henrique Mandetta (ex-ministro da Saúde/DEM); Luciano Huck (apresentador de TV); Fernando Haddad (ex-prefeito de São Paulo/PT); Ciro Gomes (ex-governador do Ceará/PDT); Flávio Dino (governador do Maranhão/PCdoB); João Amoêdo (Novo); e Guilherme Boulos (PSOL).
Negros e mulheres, que já eram poucos, perderam mais espaço
O presidente Jair Bolsonaro, por sua vez, não tem qualquer negro e apenas duas mulheres entre seus 23 ministros: Tereza Cristina (Agricultura) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos).
“Fragmentação partidária dificulta nomeação de mulheres”, diz pesquisadora
De acordo com Malu Gatto, a forte hegemonia masculina e branca no primeiro escalão de governo reflete a predominância do homem branco também na maioria das posições de liderança e destaque dentro dos partidos políticos.
Ademais, ela lembra que o governo federal no Brasil funciona pelo “presidencialismo de coalizão”. Um sistema em que o presidente precisa repartir cargos com indicações de diversos partidos para conseguir formar uma maioria no Congresso.
Avanços lentos na base da política
De acordo com Malu Gatto e Irapuã Santana, tem havido avanços, ainda que em ritmo lento, no aumento de mulheres e negros eleitos para o Poder Legislativo ou no nível municipal do Poder Executivo. Eles acreditam que esse crescimento pode, no futuro, levar a uma maior presença de negros e mulheres em cargos de maior relevância nacional.
No entanto, por trás desse avanço devagar em cargos mais baixos, estão novas regras implementadas pelo TSE que obrigaram os partidos a aumentar o financiamento de candidaturas femininas e negras.
“Homens brancos resistem a abrir mão do poder”
Contudo, no caso das mulheres, houve aumento mais modesto. O percentual de prefeitas eleitas no primeiro turno passou de 11,6% em 2016 para 12,2% agora.
De acordo com Malu Gatto, esse mal desempenho no ranking internacional é consequência da baixa eficácia da cota para candidaturas femininas no Brasil. Desde 1997, a lei eleitoral reserva ao menos 30% das candidaturas para mulheres. Porém, apenas a partir de 2018, o TSE obrigou os partidos a distribuírem proporcionalmente os recursos públicos de campanha.
Para Gatto, o sistema evolui devagar porque quem está no poder, os homens brancos, resistem em aprovar regras que aumentem as chances de perderem vagas para outros grupos. É por isso, diz, que os avanços nessas regras têm vindo da Justiça Eleitoral.
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Fotos: ALAN SANTOS/PR e GETTY IMAGES