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O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta já havia alertado o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em março de 2020, para mortes por desassistência em Manaus.

O médico relata no livro Um paciente chamado Brasil que mostrou ao presidente e aos ministros Braga Netto, da Casa Civil e Sérgio Moro, na época ministro da Justiça, um cenário de 180 mil mortes pela covid-19. Segundo Mandetta, Manaus preocupava por ter um “sistema de saúde limitado”.

De acordo com o ex-ministro, seu canal de contato com a presidência sempre foi o Ministério da Casa Civil.

Isso porque, no início, o titular da pasta era Onyx Lorenzoni, seu colega de partido (Democratas). Depois, sua proximidade com o general Walter Braga Netto facilitou a comunicação com Bolsonaro.

Mandetta relata que no início da pandemia, Bolsonaro não ouvia técnicos e era assessorado pelos irmãos Abraham e Arthur Weintraub e pelos filhos, principalmente pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).

Ele inclusive cita que o termo “gabinete do ódio” não era utilizado no Planalto, mas fazia referência a Carlos e seus conselheiros.

Segundo Mandetta, ao ver os números e projeções da pandemia, ele precisou se comunicar com Bolsonaro.

“Estava muito claro que qualquer conversa um pouco mais séria não tinha espaço para prosperar, mas eu precisava compartilhar com o presidente os estudos que eu tinha em mãos”, escreve.

Por isso, o médico pediu um favor para Braga Netto. Mas, para isso, Mandetta precisou fazer uma apresentação primeiro para o ministro e para Sérgio Moro.

“Fizemos uma apresentação sobre os três cenários possíveis, com mostras da situação estado por estado, o número de vagas que seria necessário abrir, o impacto financeiro, o perigo das mortes por desassistência. Já estávamos ali preocupados com Manaus, por exemplo, que tem um sistema de saúde limitado”, relatou.

A apresentação desses números foi feita pela TV na sala de reunião da Casa Civil.

“O Braga Netto assistiu a tudo com cara de espanto”, conta Mandetta no livro.

Ainda segundo Mandetta, Moro e Braga Netto entenderam a gravidade da situação. Ele ainda diz que Moro comparou as mortes com a queda de quatro boeings por dia.

“Se Bolsonaro estava alheio à gravidade da pandemia, Sergio Moro e Braga Netto foram os primeiros a entender o tamanho do problema.”

Depois de mostrar os números para os ministros, o médico conseguiu marcar uma reunião com o presidente.

 

O negacionismo de Bolsonaro

 

Mandetta cita que na época, março de 2020, o discurso do ex-ministro da Cidadania Osmar Terra já repercutia pela imprensa.

O também médico dizia que sabia como o vírus se comportava e que em países com clima tropical, como o Brasil, os impactos seriam muito menores do que na Europa, que já sofria com as mortes.

Para o ex-ministro, “esse discurso de Osmar Terra era tudo que o presidente Jair Bolsonaro queria ouvir”.

Ao chegar à reunião com Bolsonaro, Mandetta relata que encontrou o presidente “muito irritado”. Segundo o médico, a irritação aconteceu porque o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), tomava conta dos noticiários por tomar medidas restritivas.

“Para Bolsonaro, a paralisação das atividades econômicas era um golpe dos governadores para inviabilizar seu governo e causar uma convulsão social”, explica.

“A avaliação de Bolsonaro – sempre desprezando a gravidade da doença – era de que sem a atividade econômica ele perderia controle de qualquer tipo de condução do processo político do país.”

Segundo Mandetta, todos os ministros foram para a reunião, com exceção de Sérgio Moro. Ele ainda cita que o general Heleno, que na época estava com covid-19, também compareceu.

“Usei isso para dizer que ninguém estava compreendendo a gravidade da situação. A própria presença do general Heleno significava que a segurança de todos ali estava comprometida”, relata.

Depois da apresentação, que durou cerca de uma hora, com todos números e estratégias para o combate, Bolsonaro não se mostrou “nem um pouco convencido”. “Ali, ele assumiu a negação absoluta”, contou.

Mandetta relata que suplicou para o presidente entender a gravidade da situação mas Bolsonaro seguiu na postura negacionista.

Ele ainda fala que o presidente fez uma piada. “Ele me perguntou se eu iria elogiar João Doria”, conta. “Respondi que tinha que apoiá-lo sim”, relata.

“Foi assim que acabou a reunião. Um esforço tremendo, com a unanimidade dos ministros dizendo que ele não deveria ir por aquele caminho da negação, que daquele jeito ele ficaria isolado, mas ele encerrou a reunião do mesmo jeito que entrou nela. Fui o primeiro a sair, todos os outros ministros ficaram. Eu me levantei e disse: ‘O que eu tinha para falar, falei. Se quiserem fazer as considerações de vocês, ficarão até mais à vontade com o presidente.’”

 

O ‘terror’ de Manaus

 

No início da pandemia, em abril de 2020, Manaus vivenciou cenas de desespero com valas comuns cavadas em cemitérios públicos e caminhões refrigerados instalados fora dos hospitais para preservar os corpos dos mortos.

Agora, a capital do estado do Amazonas volta a ter dias de terror. Entre 1º e 11 de janeiro, foram registradas 1.979 novas internações pelo novo coronavírus, contra 2.128 em abril de 2020 – pior mês desde a chegada da pandemia.

Os enterros de vítimas da COVID-19 também batem recordes: nos primeiros 10 dias de 2021 foram registrados 379, mais do que os 348 de maio.

Até quarta-feira (13), mais de 5,8 mil morreram por COVID-19 no estado.

 

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