calendar_today outubro 2, 2020 person Portal Maloca mode_comment 0

O Portal Maloca unindo cultura, informação e educação lança a primeira “MalocaResenha”, uma série de indicações de séries, filmes, documentários e afins; com um plus de informação jornalística. Faz-se um recorte de todos os temas representados nas obras e soma-se dados e conceitos relacionados a tais temas a fim de enriquecer a discussão apontada na produção analisada.

 

 

Euphoria

 

 

“(…) E aí acontece: aquele momento quando sua respiração fica mais lenta, e toda vez que você respira, você respira todo o oxigênio que tem, e tudo para. Seu coração, seus pulmões e finalmente o seu cérebro. Tudo que você sente, deseja e quer esquecer afunda de uma vez só. De repente você traz tudo à tona, traz tudo de volta à vida. (…) E com o tempo, era tudo o que eu queria: aqueles dois segundos no nada”.

 

 

E assim cai por terra a expectativa de clichê adolescente que se projeta em Euphoria em seu primeiro frame, esse monólogo inicial da protagonista mostra o teor da série. Assuntos tradicionalmente retratados em séries adolescentes, tais como, saúde mental, sexo, drogas, bullying, conflito familiares, sexualidade, gravidez e aborto; são capítulo à capítulo representados de maneira extremamente madura.

O teor realístico e conceitual da série é notadamente um diferencial. São 8 episódios e aproximadamente 1 h de duração de magistral filmagem e edição, estética sóbria e atuações primorosas. As tomadas fazem uso de baixa iluminação e muito contraste. A série, de fato, é adulta, inclusive, algumas cenas são de difícil assimilação para pessoas extremamente sensíveis, por conta da representação de situações degradantes.

A trama de Sam Levinson é felizmente surpreendente, a narrativa gira em torno da personagem Rue (Zendaya), uma adolescente viciada em drogas que, após uma overdose e reabilitação, retorna à escola e objetiva manter-se “limpa”.

 

 

Saúde Mental: TDAH

 

 

Série

 

 

Rue Bernett é diagnosticada ainda criança como portadora de Transtorno de Défict de Atenção e Hiperatividade. Um grande dilema na vida da personagem e causa primária da sua dependência por drogas. A título de curiosidade, indivíduos que vivem com TDAH, segundo pesquisa do Massachusetts General Hospital (MGH) podem correr quase o dobro do risco de abuso de substâncias.

A protagonista é um adolescente portadora do TDAH. Quando segmentado os dados são mais alarmantes. A adolescência seria a faixa etária de maior risco de abuso de drogas por pessoas com a síndrome. No decorrer da série Rue vivencia dilemas típicos da adolescência, no entanto, convivendo com o transtorno, o que torna sua experiência por essa fase, complexa por si só, muito mais difícil.

Rue consome uma quantidade absurda de substancias psicoativas, o que também é comum entre os portadores de TDAH, consequentemente aumenta a dependência.

O motivo da dependência de Rue é justamente o seu transtorno. Em vários momentos – sóbria ou sobre efeito de substancias – a personagem declara e aparentemente tem consciência de que a causa do seu uso de drogas é seu alto nível de ansiedade, baixa autoestima e impulsividade. A dependência em substâncias químicas é claramente uma tentativa incansável da personagem de acalmar a sua mente, aumentar a concentração, diminuir dores e se sentir aceito.

Rue submete-se ao tratamento, qual seja, a reabilitação. A série não foca na efetividade dessa tentativa, no entanto, cabe informar que o mais indicado é que seja feito um trabalho multiprofissional, incluindo profissionais como psicólogos, psiquiatras e médicos.

 

 

Uso de drogas na adolescência:

 

 

Rue

 

 

Rue faz uso intenso de substâncias ilícitas e remédios que levam ao êxtase, em um clara tentativa de controlar as crises psíquicas decorrentes do TDAH. A personagem também se submete, após a reabilitação, a frequentar Centros de Reabilitação e Apoio, na tentativa de manter-se “limpa”.

É extremante importante mencionar que os adolescentes com TDAH possuem uma autoimagem deformada, dificuldade de construção de relacionamentos, conflitos familiares, e maior propensão ao uso de drogas lícitas e ilícitas e automedicação.

Rue é uma adolescente desacreditada e desmotivada, entregou-se as drogas pois estava doente. A série retrata de maneira quase que desconfortável todo esse dilema da personagem. Zandaya está impecável, não acredito que houve romantização do uso de drogas, visto que, a personagem traz toda uma carga negativa e dolorosa ao uso quando o efeito das substâncias desaparecem.

 

 

Gravidez na adolescência e aborto:

 

 

Cassie

 

 

Na série a personagem Cassie é uma líder de torcida e uma das garotas mais populares da escola. Como todos os personagens da série, ela também foge do perfil estereotipado e superficial da líder de torcida. No decorrer da série descobre-se a origem da insegurança e da baixa autoestima de Cassie que a leva a ter relacionamentos destrutivos e limitar toda sua capacidade ou qualidades a sua beleza.

A personagem e a irmã, após a separação dos pais, são abandonadas pelo pai que era um herói para Cassie. Na série a personagem tem um vídeo intimo vazado e sofre muito com a exposição. Passa-se um tempo e ela se relaciona com Chris McKay e engravida. Ambos são adolescentes e temem pelo futuro. Pressionada por Mckay, Cassie se submete a um aborto.

Na série Cassie realiza o procedimento em uma clínica, no entanto, em muitos países o aborto não é legalizado, e as adolescentes submetem-se ao aborto clandestino.

Um exemplo mais próximo é o nosso país onde não se tem informações sobre o número de abortos ilegais realizados justamente por que o procedimento é crime quando está fora das 3 previsões legais. No entanto, o aborto clandestino é uma realidade brasileira e os indicativos são assustadores.

Em dados estatísticos, de acordo com a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) 2016, quase 1 em cada 5 brasileiras, aos 40 anos já realizou, pelo menos, um abortamento. Em 2015, foram, aproximadamente, 416 mil mulheres. Há uma maior frequência entre mulheres de menor escolaridade. O fator racial também conta. Os indicadores são: 24% indígenas, 15% negras, 14% pardas, 13% amarelas e 9% brancas. Por fim, segundo o mesmo estudo, cerca de metade das mulheres (48%) precisou ser internada para finalizar o aborto.

 

 

Relacionamento Tóxico:

 

 

Nate

 

 

Nate e Maddy retratam um relacionamento doentio e abusivo, regado a ofensas, opressões das mais variadas e até agressões físicas. Durante a narrativa descobre-se as causas dos comportamentos destrutivos do casal. Nate é fruto de uma criação dura e exigente por parte do pai. O personagem é a personificação da masculinidade tóxica, agravada pela descoberta de que seu pai mantém relacionamentos extraconjugais com personagens lgbt. Maddy por sua vez nutre uma dependência emocional e uma submissão por Nate por acreditar que seu único valor e opção de ascensão social é sua beleza e sexo.

Tais relacionamentos por comportarem a violência em suas diversas tipificações e naturezas causam impactos severos na saúde física e psicológica de quem os vivencia. Na série, Nate e Maddy sentem os efeitos da toxidade do seu relacionamento nos demais âmbitos da sua vida, ou seja, não é um fator isolado, afeta a convivência com familiares e amigos, desempenho acadêmico, trabalho e afins.

Frisa-se que no relacionamento abusivo engloba-se diversos tipos de violência, quais sejam, verbal, emocional, psicológica, física, sexual, financeira e tecnológica. No entanto, a caracterização é mais profunda e holística, são levados em conta inúmeros fatores, por exemplo, o sofrimento causado, a frequência dos abusos, ciclos de agressão e a crescente da violência.

Importante ressaltar também que nas relações abusivas existe uma relação de desigualdade. Na série, Nate e Maddy nutrem uma relação de dependência afetiva extremada mas uma superveniência muito maior por parte da Maddy. A personagem, inclusive, submete-se a manter a relação mesmo descobrindo a vida dupla de Nate em um App LGBT e após a agressão física sofrida.

 

 

Violência contra a mulher: 

 

 

Maddy

 

 

Em dados estatísticos, segundo estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU), nos últimos 12 meses, 243 milhões de mulheres e adolescentes de 15 a 49 anos foram submetidas a violência sexual e/ou física por um parceiro íntimo. Obviamente não necessariamente só mulheres são vítimas de relacionamentos abusivos e violência, no entanto, são notadamente a maioria esmagadora das vítimas.

A situação quando finda ainda representa um risco para a vítima, é comum o assassinato da vítima no término do relacionamento. Segundo o Mapa da Violência, tratando de feminicídios, entre os anos de 2003 a 2013, o número de vítimas do sexo feminino foi crescente, passando de 3.937 para 4.762, o que significa 13 assassinatos diários de mulheres. Por fim, a Organização Mundial de Saúde (OMS) situou o Brasil como o 5º no ranking de homicídios femininos. E sem maiores surpresas, os principais agressores das jovens e adultas são os parceiros ou ex-parceiros.

A série retrata esse terror psicológico e esse escalonamento da violência até o física. Críticas no sentido de que poderia ser mais profundo ou que romantizaram o relacionamento abusivo e a violência doméstica são válidas até certo ponto. No entanto, muito por conta da falta de informação, alguns telespectadores não visualizaram a toxidade da relação do casal. Por isso, a necessidade de mais produções abordando e conscientizando sobre o perigo de normatizar tais situações de abuso, agressões e violência; tradicionalmente tratadas como “amor” ou “intensidade”.

Aguardamos vocês nas outras duas partes dessa primeira “Resenha Maloca”. Publicações todas as sextas, sábados e domingos. Compartilhe com o maior número de pessoas e colabore com o debate e nos acompanhem nas redes sociais: Site Portal Maloca e @portalmaloca no instagram facebook e twitter.

 

 

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