Maloca Resenha: Euphoria III
Na terceira e última parte da primeira “MalocaResenha” debatemos os últimos temas observados em Euphoria, belíssima produção da HBO que é felizmente surpreendente e que já tem a segunda temporada garantida. As gravações e consequentemente o lançamento dos novos capítulos foram adiados por conta da pandemia do COVID-19. Há rumores de um episódio especial a ser lançado ainda este ano.
Cena Final – Teorias:
A cena final de Euphoria é épica, uma cena catártica com música e dança. A personagem Rue canta e dança seus desabores e aflições. Um mar de aflição e desespero. A série, em sua cena final, deixa o futuro de Rue em aberto. As deduções são que Rue teve uma nova overdose ou que tudo tratava-se de uma reflexão e uma tomada de decisão pela vida “limpa” após perceber-se forte e capaz depois de tantas desilusões. Aguardemos a segunda temporada.
O fato é que Euphoria é uma grata surpresa. Criada por Sam Levinson mostra o cotidiano de um grupo de estudantes do Ensino Médio à medida em que eles lidam com suas obscuridades e vivenciam novas descobertas e os dilemas da adolescência. Aparentemente clichê, no entanto, “Euphoria” consegue equilibrar o drama adolescente e a intensidade dos jovens com uma narrativa madura e conscientizadora.
Por fim, assistir “Euphoria” torna-se uma experiência. A série tem uma estética experimental, muito popular entre os jovens, e cinematográfica, honrando a produtora HBO famosa pelas produções hollywoodianas.
Descoberta da orientação sexual:
Na série Jules e Rue desenvolvem uma forte amizade, onde compartilham dilemas e experiências. Em determinado momento, essa relação torna-se mais intima. Rue se ver apaixonada por Jules e se descobrindo uma mulher bissexual no mínimo, já que ainda descobrindo a própria sexualidade. Jules, por sua vez, embora, aparentemente, já tivesse como definida sua orientação, experiencia o “relacionamento” com Rue. Não existiu uma definição por parte delas do que de fato tiveram, É intrigante esse processo de descoberta e a série foi extremamente sensível ao abordar.
Aprofundando a discussão, importante debatermos sobre a sexualidade na adolescência, que é o que é abordado na série. A adolescência é um período muito peculiar no desenvolvimento humano, considera-se ser a transição entre a infância e a idade adulta, caracterizada transformações anatômicas, fisiológicas, psicológicas e sociais.
Orientação Sexual x Identidade de Gênero:
É imprescindível que façamos uma distinção entre orientação sexual e identidade de gênero, são questões diferentes e que as personagens lidam. Rue está descobrindo sua orientação sexual, enquanto Jules, também passa por esse processo, no entanto, também, identifica-se como uma mulher trans que diz respeito a sua identidade de gênero.
Em conceitos, segundo artigo publicado na Revista Eletrônica de Educação e Psicologia da UTAD, identidade de gênero, seria um elemento fundamental da identidade geral, definida como a identificação do sujeito como homem ou mulher, a convicção básica do indivíduo acerca do seu sexo biológico, a consciência pessoal e a convicção do indivíduo a respeito do sexo ao qual acredita pertencer; a orientação sexual, por sua vez, faria referência à escolha que o sujeito faz de parceiro sexual, podendo ser homo, hetero ou bissexual.
Seria de grande valia que o leitor entende-se que os “fenômenos” são diferentes para se ter uma discussão mais consciente da sexualidade e da adolescência.
Gordofobia:
A personagem Kat é alvo de ofensas e exposição por conta do seu corpo. Aparentemente, Kat é confiante e lida “bem” com a situação, no entanto, evidente que sofre os efeitos do preconceito e discriminação do bullying e mais profundamente os impactos danosos da gordofobia. A personagem ingressa no mundo das camgirls a partir de então desenvolve uma “autonomia” e “confiança”, no mínimo, questionáveis. Kat é uma personagem complexa, ao mesmo tempo que bem resolvida com o seu corpo em alguns momentos é extremante frágil e insegura. Todos os personagens apresentam luzes e trevas, talvez por isso, a série tenha comunicado tão bem.
A discussão acerca da gordofobia é necessária. Pessoas gordas são submetidas à um duplo sofrimento: primeiro o típico e caracterizador das discriminações, quais sejam, invisibilidade, humilhações, depreciação e afins; e um segundo que é a normatização desse preconceito, através da não criminalização e ausência de serviços e produtos.
Intolerância com o corpo gordo:
Uma realidade que comprova que é preocupante esse segundo aspecto é o fato de que enquanto injúria racial e violência contra a mulher são consideradas crime no Brasil, o preconceito com pessoas gordas não apenas é negligenciado como é encorajado pelo Estado, mídia e sociedade de maneira geral. Portanto, cabível frisar a especificidade da gordofobia e entender o porquê de tamanha intolerância com o corpo gordo.
Talvez a questão que mais assusta em toda essa narrativa e mitologia que se criou em torno do corpo gordo seja a toxidade de definição e categorização de pessoas entre normais e anormais. É doentio tal tentativa, visto que claramente eugênica. Eugênia, para esclarecer, é a ciência que tenta determinar quais seriam os seres humanos com o melhor patrimônio genético. Sem surpresas tal “ciência” serviu de base e justificativa para as práticas mais sórdidas da história da humanidade, quais sejam, o genocídio, a escravidão e colonização.
A série não aprofunda a discussão acerca da gordofobia e as suas nuances. É um tema urgente e necessário. Esperamos ter contribuído, mesmo que minimamente, para o enriquecimento da pauta.
*Série inspirada no “Redação POP” do influenciador Lucas Felpi.
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