Aluna indígena formada no Cetam está na equipe que atende ianomâmis
A crise humanitária vivida pela população Yanomami chocou o Brasil e mobilizou milhares de profissionais da saúde que se habilitaram para atuar como voluntários na emergência em saúde pública enfrentada pelos indígenas.
Dos 40.247 inscritos, parte é composta por mulheres. Com as mais diversas formações na área da saúde, elas, como em outras situações graves que exigiram a mobilização da Força Nacional do Sistema Único de Saúde, responderam prontamente e garantiram sua parcela de contribuição para as vítimas da fome, malária, tuberculose, síndromes respiratórias e outras doenças.
Força feminina que faz a diferença no atendimento aos mais vulneráveis, como acredita a técnica de enfermagem Alziana Japeca, 32 anos.
Moradora de Manaus (AM), ela é indígena da etnia Munduruku e integrante da primeira turma do curso de Enfermagem Indígena de Manaus, no Centro de Educação Tecnológica do Amazonas (Cetam).
Foi pelo grupo dos egressos do curso que ela soube da possibilidade de atuar com os Yanomamis, uma experiência definida como impactante e gratificante ao mesmo tempo. “Por mais que eu soubesse pela televisão, vivenciar é outra coisa. Não esperava participar de uma missão como essa no Brasil, vendo a desnutrição e a fome, vendo meus próprios parentes passando por isso. É uma realidade que eu nunca imaginei”, confessa.
Bolsista da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS), Alziana afirma que a presença das mulheres na saúde é fundamental. “Atuamos em um lugar que exige o lado profissional, mas nós temos um olhar diferenciado e isso conta muito”, avalia, admitindo a felicidade de ter sido selecionada para compor uma das turmas de voluntariado. “É muito importante que nós, mulheres, participemos, para ter mais oportunidades. No entorno dos indígenas, a gente sente mais dificuldade. Existe muito preconceito de que os indígenas não são tão competentes, nós enfrentamos uma barreira a mais. Sou grata pela experiência e quero que outras mulheres tenham essa troca de aprendizado”, acredita.
Para ela, a abordagem feminina e indígena é de mudança, uma força de trabalho que faz a diferença. “Nós mulheres devemos estar mais presentes nessas missões, até para dar visibilidade às mulheres indígenas que trabalham com saúde. É preciso que exista oportunidade e formação. Conhecimento é assim: como a gente traz, a gente leva”, conclui.
Compreensão das violências
A mulher responde por mais de 70% das posições de atenção à saúde humana, conforme o boletim do emprego do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos (Dieese). Na visão da enfermeira e pesquisadora Mariana Maciel Queiroz Gavassi, 40, o protagonismo feminino ocorre, em parte, pelo local de empatia frente às violências sofridas pelos mais vulneráveis. “Profissionais da saúde são cuidadoras e a nação brasileira tem uma matriz indígena. A gente percebe, nessas situações, que as mulheres são as mais fragilizadas. Elas estão vivendo uma violência que nós, como mulheres, também conhecemos. É um outro lugar, mas é o contexto de violência”, explica.
Há 17 anos participando de discussões de saúde indígena, ela viu no chamado da Missão Yanomami a oportunidade de colocar em prática seus conhecimentos étnicos e culturais. “A mulher na saúde humaniza o cuidado, pois em contextos de emergência, essa humanização é delicada e a presença de mulheres também é uma potência nesse sentido”, destaca.
Quando soube da gravidade da situação, além de se inscrever para o voluntariado, ela fez a divulgação do cadastro na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde atua no Projeto Xingu. Em Roraima, ela trabalhou na Casa de Apoio à Saúde Indígena (Casai) e lembra como foi doloroso perceber os núcleos familiares e a estrutura social desorganizados. “O primeiro momento foi de estranhamento. Entrei em contato com histórias tristes de fragilidades da infância, ficou a sensação de infância perdida”, relembra.
Apesar dos muitos cenários de desalento, ela fala da esperança que mantém como profissional de saúde. “Quando chegaram os alimentos doados, e eram alimentos próprios deles, milho, banana, melancia, eles receberam com muita felicidade. Eles compartilharam, convidaram para comer juntos. Foi importante ver que há um caminho. A questão do território, para eles, é muito importante. Está relacionado à comunidade, à continuidade da vida e preservação da cultura”, acredita.
Fonte: Ministério da Saúde