calendar_today novembro 23, 2020 person Portal Maloca mode_comment 0

No momento em que o mundo volta as atenções para a proteção da Amazônia, o governo Jair Bolsonaro decidiu levar adiante projeto para abrir uma nova estrada no coração da floresta. O traçado passaria por cima de uma área de proteção integral, o Parque Nacional da Serra do Divisor; na fronteira com o Peru – hoje; dono da maior biodiversidade de toda a região.

 

Nova rodovia em análise 

 

Em resumo, o estudo da nova rodovia está em análise pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), órgão ligado ao Ministério da Infraestrutura que cuida das estradas federais. Assim, o objetivo é abrir um traçado de 152 quilômetros de rodovia do município de Cruzeiro do Sul, no Acre, até a fronteira brasileira com o país vizinho. Do lado peruano, a rodovia se ligaria à cidade de Pucallpa.

 

Nova rota para escoamento rodoviário 

 

De acordo com os defensores do projeto, a estrada daria continuidade à BR-364, uma das maiores estradas federais do País. Além disso, seria uma nova rota para escoamento rodoviário de produção por meio do Oceano Pacífico. Em setembro, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, participou de um evento para tratar do assunto e disse que o Itamaraty atua para acelerar o plano de integração.

Ademais, já existe uma outra rota ligando Brasil e Peru. Em 2010, concluiu-se a Estrada do Pacífico, a partir de Rio Branco (AC) e que dá acesso à região sul do Peru. Levantamentos recentes mostram, porém, que ainda é reduzido o fluxo de mercadorias na região.

 

Questões ambientais 

 

Para além de acenos diplomáticos, especialistas afirmam que o novo projeto ainda teria de lidar com questões ambientais, a começar pelo impacto a terras indígenas. Há três terras demarcadas pelo caminho. Duas delas – Terra Nukini e Terra Jaminawa do Igarapé Preto – ficam a 32 quilômetros de distância da rota planejada. Há ainda uma terceira, a terra indígena Poyanawa, que se avizinha do próprio acostamento, com apenas 1,5 km de distância do traçado.

 

Licença Ambiental 

 

Com a resolução dos direitos dos indígenas, o projeto precisa, então, obter licença ambiental para derrubar cerca de 130 quilômetros de área coberta por mata virgem e cruzar dezenas de rios. Depois disso, há ainda uma última etapa de mais 22 quilômetros a resolver: passar pelo Parque Nacional da Serra do Divisor, uma unidade de conservação federal de proteção integral, onde, por lei, é proibido fazer qualquer tipo de obra de pequeno ou médio porte. Os estudos mostram que a nova estrada cortaria o parque ao meio, até bater na fronteira com o Peru.

Estudos do Ibama e do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) mostram que a região do parque federal é considerada uma das áreas com maior biodiversidade da Amazônia, com presença de várias espécies raras de árvores, como mogno, louro, virola e cerejeira.

 

Congresso

 

Como proíbe-se a construção de uma estrada dentro dessa área, já corre no Congresso um projeto de lei que tenta mudar a classificação do parque nacional, transformando parte de seu território em uma área de preservação ambiental (APA). Seria um jeito de dar uma categoria bem mais flexível àquele pedaço do território, permitindo o avanço dos tratores.

Relatado pela deputada federal Mara Rocha (PSDB-AC), o projeto 6.024/2019 está parado desde o ano passado. Para o senador Márcio Bittar (MDB-AC), entusiasta da abertura da estrada, outra alternativa seria autorizar a passagem de uma “estrada parque” dentro da unidade federal.

O Ministério de Infraestrutura não quis comentar o andamento do projeto. O Dnit declarou, por meio de nota, que “trabalha atualmente na elaboração do Termo de Referência para a contratação do projeto”.

 

Projeto de estrada também depende de obras no Peru

 

O desejo dos parlamentares acreanos de prolongarem a BR-364 até a fronteira do Brasil com o Peru não significa, na prática, nenhum acesso imediato às praias do Pacífico. Embora o governo brasileiro defenda que sua meta é ligar a nova estrada à cidade de Pucallpa, a realidade é que o município peruano está a 103 quilômetros distante da fronteira com o Brasil e, assim como ocorre em solo nacional, o caminho do lado de lá também é de mata fechada. O Peru, portanto, teria de ter a mesma inspiração do governo Bolsonaro para abrir sua floresta até alcançar o lado brasileiro.

 

Projeto 

 

Em síntese, a obra em análise pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) teria 152 quilômetros de extensão e cortaria o Parque Nacional da Serra do Divisor – uma unidade de conservação federal de proteção integral; onde, por lei, proíbe-se fazer qualquer tipo de obra de pequeno ou médio porte.

O Estadão apurou que, apesar de pressões locais para concentrar o licenciamento no Estado, o Ibama já tem convicção técnica de que o processo é federal. A obra não só daria continuidade a uma estrada que é responsabilidade da União, a BR-364; como também teria impacto direto em terras indígenas e; finalmente, avançaria sobre um parque federal. São todos temas de competência federal.

 

‘Lavagem cerebral’

 

De acordo com o senador Márcio Bittar (MDB-AC), que é o relator do Orçamento federal de 2021, o fato de o licenciamento ficar com o Ibama não é um obstáculo. “O que precisamos é viabilizar essa nova rota. Estamos fazendo um intercâmbio com o Peru”, disse Bittar. “Não é simples, nem fácil. Fazer a obra só do lado brasileiro não vai resolver nada. Mas se você não começar, não chegar ao meio do caminho, não vai para lugar nenhum.”

Além disso, Bittar já tratou do assunto diretamente com o presidente Jair Bolsonaro, que mencionou a obra durante uma de suas lives pelas redes sociais. “Tive esses dias com o senador Marcio Bittar, do Acre. Ele agora é o cara do Orçamento, então está muito interessado. Vai botar a mão na massa. É uma rodovia de quase 200 km que liga o Acre ao Peru, onde vamos conseguir, então, por via terrestre, onde a Cordilheira dos Andes está mais baixa, passagem para o Pacífico”, declarou Bolsonaro na ocasião.

O senador admitiu que o projeto enfrenta uma série de dificuldades, tanto no Brasil quanto no Peru, mas classificou os obstáculos ambientais como uma “lavagem cerebral” que, segundo ele, afetaria não só o Brasil, mas seu vizinho latino.

 

 

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Foto: Getty Images