Derrota de Trump coloca Amazônia e Bolsonaro na berlinda do clima
Líderes globais fizeram de tudo no âmbito político para compensar a saída dos Estados Unidos de Trump do Acordo de Paris.
No entanto, não puderam conter o contágio das posturas trumpistas em países-chave para o combate às mudanças climáticas, especialmente no Brasil.
Apoiados por condições tecnológicas e mercadológicas que sopram a favor da transição energética, líderes globais buscaram dar o recado de que o mundo seguiria a rota traçada por Paris e que, se os Estados Unidos de Trump não quisessem encarar o desafio, a China estaria pronta para assumir a posição de liderança global, assim como a Alemanha de Merkel e a França de Macron.
Enfraquecimento
No entanto, a ausência americana não só enfraqueceu os esforços de cooperação e de financiamento das ações climáticas, como também deixou blocos de países conservadores na agenda do clima mais confortáveis para bloquear entendimentos e até para negar a ciência climática.
Em 2018, o relatório do IPCC (painel científico da ONU sobre clima) entregue à Conferência do Clima da ONU foi combatido por diplomatas de diversos países e quase deixou de ser citado entre os documentos assinados na conferência, após revelar verdades ainda mais inconvenientes: o mundo precisaria se esforçar de três a cinco vezes mais do que o combinado no Acordo de Paris para vencer as consequências mais desastrosas do clima.
Temos uma década para cortar as emissões de carbono pela metade, segundo o relatório que o IPCC levou para a conferência de 2018.
Ações necessárias
O prazo apertado, mas tecnicamente viável, pode desacelerar as mudanças climáticas em curso, evitando, por exemplo, que os países-ilha sumam do mapa e que o Nordeste brasileiro vire um deserto.
Naquela reunião, os Estados Unidos, país que mais emitiu carbono em toda a história, já eram representados por um governo negacionista da ciência climática, enquanto o Brasil, detentor da maior floresta tropical do mundo, acabava de eleger a versão tropical de Trump como presidente.
Sem poder contar com os Estados Unidos e com o Brasil, a conta para resolver o maior desafio que a humanidade já encarou ficava ainda mais cara e talvez impagável para o restante dos países.
Com a derrota de Trump nesta eleição, o mundo começa se ver livre do fenômeno do negacionismo no poder.
Mais importante do que a vitória de Biden é a derrota de Trump e, com ela, o aniquilamento da negação da ciência e de falsas dicotomias entre desenvolvimento e conservação ambiental ou entre o Acordo de Paris e a geração de empregos – a que Biden responde com o plano de revolução de energia limpa, criando empregos no setor de renováveis.
Trumpismo no mundo perde força
As inspirações políticas que o trumpismo impulsionou mundo afora também perdem força.
E líderes que se sentiam à vontade para cruzar limites da civilidade voltam a se ver comprometidos com algum pragmatismo – minimamente, o das urnas.
No entanto, ainda não podemos dar como certo um efeito dominó da eleição americana sobre a política ambiental brasileira.
É possível que Bolsonaro resista a mudar o tom e tente se aventurar por saídas impróprias ou até autoritárias.
Bolsonaristas “brabos”
As declarações de Biden se dispondo a levantar recursos para a conservação da Amazônia soam como as do presidente francês Emmanuel Macron e são vistas pelo bolsonarismo como um atentado à soberania do país, alimentando teorias da conspiração de que o mundo teria interesse na internacionalização da Amazônia.
Até aqui, o governo Bolsonaro não tem respondido pragmaticamente a sinais importantes de países importadores de commodities brasileiras, como a China e a União Europeia, nem mesmo de investidores estrangeiros que ameaçaram deixar de investir no país caso as taxas de desmatamento da Amazônia continuassem descontroladas.
Agora, a pressão da comunidade internacional pelo controle do desmatamento da Amazônia pode ter mais chances de fazer efeito, já que Bolsonaro deixa de contar com a esperança de alguma parceria salvadora com os Estados Unidos.
Vale lembrar que o bioma é fundamental para a regulação do clima global e o desmate descontrolado o aproxima do ponto de não-retorno, a partir de quando a floresta não consegue mais se regenerar e tende a virar savana.
A verdade da ciência climática não é tão inconveniente para o Brasil.
O mundo está disposto a pagar pelos benefícios de um recurso valioso do Brasil e que, enquanto conservado, continua sendo nosso.
Mas, para entender que a crise oferece oportunidades de lucros e de liderança ao Brasil, o país ainda precisará se livrar das fake news e conspirações alimentadas pelo nosso Trump tropical.
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Foto: reprodução do Twitter