Na 22ª rodada da Série A do Brasileirão, disputada no final de novembro, o Palmeiras teve 18 desfalques por covid; o Galo, 10; o Vasco, nove.
No total, o vírus tirou 60 jogadores de campo naquele final de semana.
A taxa de transmissão (Rt) da pandemia era estimada, então, em 1,30: ou seja, cem pessoas contaminando 130. Coisa pra cacete.
Não deu outra: o campeonato saltou de 227 casos, em outubro, para 341, em novembro. Segundo dados da própria CBF, naquela altura já eram 20% os casos positivos nas séries A, B, C e D, aspirante, sub-20 e sub-17.
Vai vendo.
A CBF banca apenas os testes do treinador e dos 23 atletas relacionados para cada partida.
Comissão técnica e o resto do estafe ficam por conta dos clubes, sem fiscalização ou punição. (Detalhe: no Campeonato Carioca, por exemplo, todos no estádio eram testados. No Brasileirão, as mais de 200 pessoas necessárias para a realização de um jogo não o são).
Aí você imagina se 100% dos clubes, alguns quebrados, estão desembolsando essa grana toda semana. Não estão e isso é sabido nos bastidores.
No Vasco, um dos que menos testa, eram 43 casos de jogadores positivados até novembro. Leia esse número de novo, ao lembrar quantos atletas formam uma equipe de futebol.
O protocolo da Libertadores também tem um rombo maior que a defesa do Bahia. A Conmebol testa as equipes cinco dias antes das partidas. Soteldo, por exemplo, recebeu resultado negativo, começou a apresentar sintomas na sequência e testou positivo às vésperas do primeiro confronto com o Grêmio. Se fosse um dos tantos assintomáticos do coronga, teria entrado em campo contaminado.
Pior: há indivíduos dentro das agremiações contribuindo ativamente para a disseminação do vírus. Como o UOL Esporte reportou aqui, uma comemoração de aniversário promovida pelo gerente de futebol do Atlético-MG antecedeu o surto que tomou a equipe de assalto uma semana depois, com 19 infectados. Sampaoli e seus auxiliares estiveram na festa.
Trata-se de apenas um dos exemplos da falta de senso de comunidade, ou noção mesmo, que parte da população demonstra com os coleguinhas.
De fato, a vasta maioria dos jogadores – com seu histórico de atletas – se safou sem ou com leves sintomas. Mas Cuca ficou no semi-intensivo, Luxemburgo segue internado e Marcelo Veiga morreu. Abel Ferreira disse que ficou com medo de dormir.
Agora há pouco chegou a notícia devastadora de que Henricão, roupeiro da base do Vasco, faleceu de complicações cardíacas causadas pela Covid-19, aos 51 anos. Estes são só alguns dos casos que conhecemos.
E os motoristas de ônibus, equipes de limpeza, seguranças, gandulas, repórteres e tantos outros que formam a espinha dorsal de uma partida de futebol? Essas pessoas e suas famílias não estão sendo monitoradas. Não entram nem nas estatísticas do evento que sem elas não existiria.
Talvez não fosse possível suspender a competição deste ano, nem achar os 170 milhões de dólares que a NBA gastou para sustentar sua bolha, na Flórida. Mas há dinheiro no futebol e mais poderia ter sido investido para proteger quem garante o nosso entretenimento.
Estamos tratando uma doença mortal como algo inerente ao esporte. Comentaristas já falamos de forma quase banal: fulano fora com distensão na coxa, sicrano suspenso pelo terceiro cartão, beltrano com Covid, time tal ainda não teve seu surto, pode desacelerar no final do Campeonato (Trajano, Renato Mauricio Prado e eu também não escapamos). Tá tudo errado.
Quantas infecções valem um Campeonato Brasileiro? Quanto estamos dispostos a arriscar em nome da bola?
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Foto: Mailson Santana/Fluminense FC