Caso The Weeknd: Racismo na Indústria Fonográfica
O Grammy Awards, considerado o maior evento da Indústria Musical, foi alvo de críticas e acusações de racismo. Tais acusações se deram em virtude da ausência do cantor The Weeknd entre os indicados, mesmo o artista sagrando-se vencedor nas principais premiações que antecedem a cerimônia, ter sido aclamado pela crítica especializada e sucesso de vendas.
As acusações já graves tornaram-se estrondosas quando afirmou-se que a premiação nutre um sistema segregador que tem entre suas funções tolher as minorias dificultando ou até inviabilizando seu acesso ao reconhecimento e prêmios.
A ausência de The Weeknd entre os indicados é no mínimo estarrecedora, tendo em vista, que o artista figurou no topo dos rankings musicais quase que absoluto. “Blinding Lights”, do álbum “After Hours”, encabeçou a Billboard por incríveis quatro semanas seguidas. No entanto, o Grammy viu por bem ignorá-lo completamente
Como endosso da narrativa do Grammy Racista, apenas artistas brancos foram indicados ao Melhor Álbum de Pop Vocal: Justin Bieber, Lady Gaga, Taylor Swift, Harry Styles e Dua Lipa.
Obstáculos da indústria ao reconhecimento negro
É uma concordância entre os artistas negros e de conhecimento geral do grande público, tendo em vista a áurea de polêmicas que evolve o Grammy Award, a sobreposição da questão racial aos requisitos ao prêmio. Ademais, é pública e notória a reprodução por parte da Academia do racismo, em todas as suas ardilosas vertentes e efeitos destrutivos.
É de ser espantar um cenário onde qualquer cidadão suprima suas aspirações e sonhos de reconhecimento, e quando se trata de artistas, eleva-se a 10º potência o sofrimento.
Em um recorte mais específico, qual seja, artistas negros, a infeliz “dosimetria” é revoltante. Esse coletivo lida com as problemáticas de ser negro em um mundo severamente desrespeitador e racista, com as questões inerentes a viver da arte e, por fim, quando alcança o sucesso, com uma indústria que o limita e além disso o prejudica.
Racismo estrutural ou manutenção de interesses?
O racismo como uma teoria construída sob a égide da pureza e separação de raças, primeiramente, respaldou-se numa falsa cultura de diferenciação, atualmente, transmutou-se, e é lido como estrutural, ou seja, arreigado, enraizado e afins.
Eventos como o descaso da Academia com um dos artistas mais relevantes do ano não podem ou não deveriam ser minimizados sob o discurso da dificuldade de combate. O fenômeno racismo, em verdade, é político, social e econômico, e foi e continua sendo usado pela supremacia para justificar os seus interesses. Historicamente justificou o imperialismo, a escravidão e perpetua-se como racismo estrutural.
Limitação da arte negra
A questão do racismo estrutural na indústria é tão sórdida que o Grammy entende tudo bem os artistas negros serem “reconhecidos” ou terem acesso, em grande maioria, apenas a categorias tidas, por um imaginário branco e racista, como “tipicamente” negras.
Em verdade trata-se de uma categorização artístico-racial que ver por bem estereotipar e determinar a arte dos artistas negros.
Frisa-se que não se diminui ou despreza-se tais categorias, o que se busca elucidar é justamente o enquadramento nunca demandado e não legítimo. Artistas negros merecem ser “analisados” como artistas holísticos e complexos, assim como os artistas brancos e suas múltiplas “facetas” que são milimetricamente revisadas.
É problemático afirmar que todo artista negro é R&B, Rap ou Urban Music.
Histórico de Esquecimento e Desprestígio
Quando se analisa a premiação e todos os seus ganhadores escancara-se a política do “racismo velado” que alimenta o Grammy. Em toda a sua história, somente em dez oportunidades pessoas negras sagraram-se vencedoras do prêmio de melhor disco do ano (Album of the Year). Prosseguindo, nos últimos vinte anos a situação é ainda pior, somente Lauryn Hill em 1999, OutKast em 2004 e Ray Charles em 2005 ganharam o prêmio.
A indústria “defende-se” com o famigerado “qualidade > gênero, raça ou etnia”, no entanto, trata-se de uma falácia, tendo em vista que os discos e artistas preteridos, em grande maioria, foram aclamados nos anos que foram ignorados.
O argumento é ultrajante, justificar o desprestígio com falta de qualidade ao invés de se assumir racista é desonesto. Em um universo de talento, crítica social e negritude, tripé de requisitos para o boicote por parte do Grammy, temos: Kendrick Lamar, Beyonce, Nina Simone, James Brown, entre outros. Pasmem, até o Rei do Pop sofreu com a Industria.
A disseminação de um discurso igualitário entre as raças é cruel além de um desserviço. É perceptível e comprovado historicamente que os negros sempre foram colocados numa esfera de inferioridade e incapacidade. Quando premiações como o Grammy agem diretamente a fim de inviabilizar o sucesso de artistas negros e assim desprestigiá-los é vergonhoso e criminoso.
Grammy como reflexo da sociedade
Engana-se quem acredita que o Grammy e sua “política” segregadora não possui apoiadores. Lembre-se, o Grammy Awards ainda é o retrato de uma sociedade com raízes profundas no patriarcalismo, racismo, machismo, sexismo, misoginia e xenofobia.
No caso The Weeknd, percebe-se claramente o efeito invisibilizador do racismo, o viés descredibilizador da cor preta e escancara-se uma luta que perdura por muito tempo e não se ver fim. Artistas negros não são intocáveis por serem bem sucedidos, não o são por questões de fenótipo. A quantidade de melanina em sua pele determina o seu grau de relevância, a sua suscetibilidade a violência e truculência e, no caso do Grammy, a sua premiação ou não.
A manutenção do racismo se dá porque ele se converteu ao longo do tempo numa realidade “pacífica”, “consciente” e “social”. O paraíso racial cai por terra quando descobre-se a desvalorização dos negros em todas as suas frentes e sem exceções, de George Floyd a The Weeknd, da morte ao desprestígio, da segregação ao esquecimento e assim por diante sem afagos, sem abraços e sem tréguas.
Racismo é cultural
Por fim, é consenso que racismo e discriminação não são conceitos biológicos, trata-se de questão iminentemente cultural e por isso é tão difícil combate-lo, por estar presente justamente na reprodução e em como essa sociedade se estabelece.
O Grammy ser racista é uma cartilha a ser seguida que foi determinada há séculos atrás e consumada no imperialismo, na escravidão, na marginalização pós abolicionista e no abismo sem medidas entre brancos e negros. Então sim existe uma realidade social que reproduz discriminação, não existem leis que proíbem relacionamentos inter-raciais, a ascensão social negra e a premiação do The Weeknd, mas existe uma relação cultural de séculos que quando não impossibilita dificulta seguramente.
Manutenção conveniente do status quo racista
Negar o racismo em prol de uma aparente democracia racial é oportunista, porque na verdade o que existe é uma conveniente permanência da exclusão, segregação e estratificação, onde a cor é um elemento que compõe e diferencia os privilegiados dos não portadores de direitos e garantias, ou melhor, os premiados dos não premiados.
A negativa do Grammy em assumir-se racista só acentua o descaso com que é tratado a problemática. E quando indivíduos como The Weeknd no ápice da sua carreira, com todos as questões inerentes ao dinheiro, fama e relevância é boicotado, claramente, pela cor da sua pele, escancara que de fato não existe na história ou no consciente coletivo dificuldades para que uma pessoa branca ou negra seja identificada como tal. Ou seja, o racismo é inerente, é de marca.
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